Oh, Esperança, a quem tantos recorrem como a última a
abandonar a alma aflita de quem já perdeu tudo que tinha, por que insistes em
maltratar-me com este sentimento de espera por algo que ora me faz crer no
futuro, ora me faz ficar somente com lembranças do passado? Nós já estivemos
juntos por tanto tempo que eu já te tinha por amiga, companheira, parceira
cujas tentativas de reanimar-me eram as únicas alegrias que tocavam minha alma.
Não achas que já é hora de me dares um presente, tu que me conheces tão bem?
Não achas que eu mereço algo mais concreto que teus esforços para comigo? Se tu
tendes o poder de me realizares um pedido me diga logo, pois preciso saciar
esta sede, que não se mata nem com as águas mais puras da mais virgem fonte e
muito menos com o mais doce néctar dos deuses do Olimpo. Pediria a ti o mais
simples dos desejos, pediria que simplesmente tivesse a sorte de não sentir a
falta que todo mortal sente, ou que essa falta fosse logo morta por alguém que
realmente estivesse disposto a não me abandonar, assim como tu o fazes até o
último instante.
Como pode mais uma vez me acontecer sem que eu me desse
conta de que isso poderia acabar tão cedo? Não te culpes por inteiro, coração.
Nem metade deste teu fardo de culpa é teu, mas sim daquela que ousou acender em
ti a paixão flamejante da carne e da alma e daquele que brincou contigo,
achando que não muito ainda havia sofrido da enfermidade que é o amor. Mas hás
de encontrar em breve a cura para teu mal, pois tu, uma vez, já o alcançaste,
não será diferente desta vez. Porém, enquanto padece de tal doença, atentai para
que não fraquejes diante dos ápices de tua saudade, não quero mais que continue
a sofrer, pois quando tu sentes, todo o meu corpo sente, pois bem sabes que és
o grande rei desta nação. Peço-te que tenhas piedade de teus súditos, que
sempre pereceram quando sua majestade sofria, nada mais querendo fazer, sentir
ou sorrir.
E tu, ser vivente como o homem, víbora rastejante como a
serpente do Éden, animal traiçoeiro como a hiena das selvas, por que achaste tu
de fazer tanto pesar contra mim? Se não querias te abrasar no calor de uma
paixão, não deverias ter iscado as pedras para que surgissem as chamas do
desejo. Quantas vezes eu te alertei sobre o perigo que seria brincar com este
fogo. Agora que o fogo começa, tu te afastas como se nada tivesses a ver com o
desastre vindouro. Que os deuses de toda a terra te levem para o mais longe
abismo, onde jaz o grande Cronos, que Poseidon apague-me as chamas ardentes
dentro de seu profundo oceano e que as ninfas de Afrodite me confortem a alma
pela perda de algo que eu já tanto almejava. Agora eu não quero mais ter a vida
como a de um mortal, peço-te, ó deusa Ceres, concede-me a imortalidade que um
dia quiseste dar ao filho de Celeus, torna-me um eterno homem e que seja eu
também imune ao amor, pois já me canso da caminhada.